O mundo ainda não estará perdido enquanto alguém, em algum lugar, lutar pelo que é certo.
David Coimbra, jornalista
Ontem saí de casa mais cedo do que o normal, a temperatura era amena de
primavera, o dia estava amarelo e azul, do som do meu carro se evolava o
rock suave da Rádio Itapema e eu me sentia realmente bem. Estacionei numa
rua quase bucólica do Menino Deus e vi que ali perto um catador de papel
puxava sua carrocinha sem pressa.
Era magro e alto, devia andar nas franjas dos 50 anos e tinha a pele luzidia
de tão negra. Ao seu lado saltitava um menino de, calculei, uns quatro anos
de idade, talvez menos. Devia ser o filho dele, porque o observava com um
olhar quente de admiração, como se aquele homem fosse o seu herói... Bem. Ao
menos foi o que julguei, certeza não podia ter.
Já ia me afastar quando, por entre as grades da cerca de uma creche próxima,
voou um brinquedo de plástico. Um desses robôs cheios de luzes e vozes, que
se transformam em nave espacial e prédio de apartamentos, adorado pelas
crianças de hoje em dia. Algum garoto devia ter atirado o brinquedo para
cima por engano, ou fora uma gracinha sem graça de um amigo.
O menino que era dono do brinquedo colou o rosto na grade como se fosse um
presidiário, angustiado. O filho do catador de papel correu até a calçada,
colheu o robô do chão e não vacilou um segundo: retornou faceiro para junto
do pai, o brinquedo na mão, feito um troféu.. Olhei para o menino atrás da
cerca. Estranhamente, ele não falou nada, não gritou, nem reclamou. Ficou
apenas olhando seu brinquedo se afastar na mão do outro, os olhos muito
arregalados, a boca aberta de aflição.
Muito orgulhoso, o filhinho do catador de papéis mostrou o brinquedo ao pai.
O pai olhou. E fez parar a carrocinha. Largou-a encostada ao meio-fio. Levou
a mão calosa à cabeça do filho.. E se agachou até que os olhos de ambos
ficassem no mesmo nível.
A essa altura, eu, estacado no canteiro da rua, não conseguia me mover.
Queria ver o desfecho da cena. O pai começou a falar com o menino... Falava
devagar, com o olhar grave, mas não parecia nervoso. Explicava algo com
paciência e seriedade. O menino abaixou a cabeça, envergonhado, e o pai
ergueu-lhe o queixo com os nós do dedo indicador. Falou mais uma ou duas
frases, até que o filho balançou a cabeça em concordância.
A seguir, o menino saiu correndo em direção à creche. Parou na grade, em
frente ao outro garoto. Esticou o braço. E, em silêncio, devolveu-lhe o
brinquedo. Voltou correndo para o pai, que lhe enviou um sorriso e levantou
a carrocinha outra vez. Seguiram em frente, o pai forcejando, o filho ao
lado, agora não saltitante, mas pensativo, concentrado.
Então, tive certeza: aquele olhar com que o menino observara o pai era mesmo
de admiração, ele era de fato o seu herói.
Texto publicado no jornal Zero Hora de 26/09/2008
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